quinta-feira, 19 de maio de 2011

Considerações sobreAmadeu de Queiroz
Mayke Riceli

Como nos relata em seu livro de memórias, Dos 7 aos 77, Amadeu de Queiroz cresceu em um ambiente que o incentivou à literatura. Apesar da clientela que freqüentava a farmácia do pai, a família do escritor possuía poucos vínculos sociais com os demais habitantes da cidadezinha de Pouso Alegre. Segundo o romancista, isso se deve a um sentimento de superioridade que se pai e seu avô lhes incutiam por serem de origem portuguesa. Assim, o pequeno Amadeu se viu restrito à convivência de seus familiares e encontrou na literatura a sua melhor forma de entretenimento:

Contemplativo, fantasista, emocionável, estimulado pela minha índole literária, fui sendo dia a dia atraído pelo espírito da arte, e por fim, vencido e torturado acabei expandindo aquele lirismo nascido da alma lírica de minha mãe.[1]


            Ao longo da primeira parte de suas Memórias, na qual fala sobre o tempo em que viveu em Pouso Alegre, Amadeu de Queiroz faz inúmeras referências à influência que recebeu do temperamento sentimental de sua mãe, com quem aprendeu a ser piedoso e compassivo diante das injustiças do mundo. Ao mesmo tempo, o ceticismo do pai o levou à conformada descrença em Deus e na pátria. Somados à “vida morna e monótona” da cidadezinha escondida entre as montanhas, esses fatores viriam a marcar consideravelmente a personalidade e, posteriormente, a obra do escritor.
            Segundo entrevista concedida a Silveira Peixoto (1940), o pouso-alegrense afirma que seus primeiros impulsos literários se deram aos dezessete anos, quando escreveu um soneto de amor em versos decassílabos intitulado Besta Fera. Seu irmão Joaquim, poeta, depois de ler o poema, qualificou Amadeu como “a vergonha da família”. Entretanto, isso não fez com que o jovem escritor desistisse da literatura, até que, aos vinte anos, viu seu primeiro conto publicado na Gazeta de Ouro Fino (MG). O Tutelado tinha intenções sociais e regionalistas ao focalizar os dramas da vida do caipira que, até então, era “explorado unicamente para provocar o riso das platéias”. Porém, com a morte do pai e o casamento em 1899 com Vicentina Meyer, as obrigações familiares exigiram que Amadeu de Queiroz adiasse suas intenções literárias.
            Em 1916, por causa de desavenças políticas, mudou-se para São Paulo, onde se tornou sócio e farmacêutico da Farmácia Baruel, situada na Praça da Sé. Com o tempo, o pouso-alegrense sentiu despertar o seu gênio literário adormecido, o que culminou com a publicação do seu primeiro romance, Praga do Amor, em 1927. A partir de então, a Baruel tornou-se ponto de encontro para um grupo de jovens candidatos à carreira de escritor. Durante o expediente da farmácia, eles se reuniam para discutir política e literatura, mas afluíam principalmente para pedir conselhos ou mesmo para ouvir os “causos” daquele que havia se tornado o seu mestre: Amadeu de Queiroz.
Através das cartas manuscritas de Amadeu de Queiroz, nas quais comenta seus livros com amigos, percebemos que ele se arriscou por diferentes tipos de narrativas – desde as sentimentalistas até as de cunho mais realístico, seja no conto ou no romance, com linguagem culta que lhe era própria ou fazendo uso de linguagem coloquial –, sempre sem se preocupar com os padrões literários da época, mas seguindo o seu próprio estilo ou mesmo sua própria vontade. Embora tivesse bem claro para si qual seria o “seu gênero”, isso não o impediu de ousar transpor os próprios paradigmas, em nome de um ponto de vista diferente ou de uma nova experiência. Entretanto, escolheu como gênero de romance preferido o regionalismo, conforme atesta em entrevista a Marcos Rey (1954), mas não aquele em que o escritor reveste seus personagens com emoções e sentimentos idealizados. Para ele, o regionalismo só é legítimo quando se preocupa em mostrar fielmente a realidade da gente que é seu objeto de observação e estudo.
O romance João representa de modo exemplar esse esforço que permeia a obra de Amadeu de Queiroz. Nesse livro, ele optou por se aproximar da fala coloquial da gente simples, deixando de usar a linguagem culta que comumente aparece em suas obras. De acordo com uma carta de 9 de dezembro de 1945, afirma ter feito uso de uma linguagem mais espontânea, com arcaísmos e expressões dialetais empregadas pelo povo caipira, para “deixar seus personagens em casa” e retratá-los do modo mais natural possível. Mas Amadeu não se restringe ao aspecto lingüístico, pois transparece até mesmo no ritmo da narrativa o modo de ser e de pensar dessa gente:

Intentei com a vulgaridade da ação e dos episódios mostrar a ignorância ingênua, o espírito primitivo e rústico, o broto de alma dos caipiras em geral. Entendi que somente por meio de coisas banais conseguiria retratar a vida e a mentalidade deles.[1]

Segundo Broca (1973), João é uma narrativa que não possui enredo, uma vez que nada acontece de romanesco, de extraordinário, nada que desestabilize o equilíbrio da vida cotidiana. O protagonista João em nada se assemelha ao “herói” que costumamos encontrar nas obras de cunho regional da literatura brasileira, pois essa “tendência romanesca e sensacionalista” é

justificável no que se refere às zonas de sertão bravio, às regiões castigadas do Norte e do Nordeste, mas pouco aceitável em setores rurais de vida agrícola e pastoril estabilizada, como do centro-sul.[2]

Assim, a narrativa de Amadeu segue o compasso monótono e tranqüilo da vida no campo, em que tudo segue o ritmo estável da natureza. Esse é o motivo pelo qual o crítico Álvaro Lins não admite que se atribua ao livro o rótulo de romance, o que é contestado por Broca que qualifica João como “o romance da espera, de uma espera rotineira e irremovível”.
            A vida do caipira acontece sem grandes emoções e sem sobressaltos, afinal tudo é vivido de modo pacífico e amortecido: o amor, as perdas, a morte – sempre na lenta “toada” da natureza. O tempo se determina pela época de semear e de colher, do gado nascer, crescer e se reproduzir. O meio em que o caipira vive dita o ritmo em que ele deve viver, pois tudo – homem, roça e criação – se confunde numa existência única:

O roceiro João aprendeu a caminhar na vida com o passo lento do gado doméstico. O boi caminha vagaroso pelo trilho das pastagens; o cavalo procura vagaroso a sombra das árvores.[3]

A rigidez da paisagem em torno do caipira acaba por tornar também ríspido o seu modo de ser e de pensar. O ambiente inalterado leva o homem aos mesmos e constantes pensamentos, a não renovar suas idéias e seus hábitos que se cristalizam, tornando-o ensimesmado, impedindo-o de enxergar além da sua própria realidade:

Vitôr nasceu naqueles sítios, lá cresceu (...). Pegou-lhe a lerdeza dos bois bernentos, a aridez do campo, a aspereza da terra que lhe andava em torno. Não ambicionava nem produzia, tinha somente a idéia de viver – comer e dormir deitado na frescura da sombra – tal e qual as outras criaturas errantes por aquela paisagem imutável.[4]


            Amadeu de Queiroz nos ajuda a entender as razões por que a cultura caipira permanece viva, apesar dos monstruosos avanços da urbanização. Não obstante o progresso científico e tecnológico, o homem do campo resiste fiel ao seu “jeito de ser”, a seus costumes e crenças. Talvez isso possa ser explicado por esse aspecto estacionário do caipira que Amadeu contempla no romance João. O caipira, no seu modo de ser, tendo como base a natureza que o circunda, recebe como herança esse impulso de manter seu cotidiano sob um equilíbrio constante, que acaba por preservar sua cultura das mudanças ininterruptas por que passa a realidade além do seu próprio mundo.
            O escritor faleceu em São Paulo, em 28 de outubro de 1955, sem ter tomado posse de sua cadeira na Academia Paulista de Letras, para a qual havia sido eleito.


[1] QUEIROZ, 09/12/1945.
[2] BROCA, 1973, p. 8.
[3] QUEIROZ, 1945, p. 33.
[4] Ibid., p. 9 e 10.


[1] QUEIROZ, 1956, p. 91.

Era uma vez.... Amadeu de Queiroz

Amadeu de Queiroz nasceu em Pouso Alegre, no dia 25 de março de 1873. Filho do farmacêutico Joaquim Augusto Moreira de Queiroz fundador da farmácia Queiroz e de Prisciliana Leopoldina de Castro Queiroz.
Amadeu nasceu em uma casa localizada na praça Doutor Garcia Coutinho, em frente a loja de Dona Maria Honória dos Santos Meyer, mais tarde sua sogra.
Não freqüentou oficialmente nenhuma escola. Ele e seus irmãos, Humberto e Joaquim, foram educados e instruídos em família por seu avô Policarpo Teixeira de Almeida Queiroz – sobrinho-bisneto do escritor português Eça de Queiroz.
Amadeu cresceu ajudando seu pai na farmácia, aprendendo o ofício, tornando-se um farmacêutico prático. A Farmácia Queiroz ficava em um terreno que ia desde a esquina da Praça Senador José Bento com a rua Bom Jesus.
Ele sempre demonstrou um temperamento irrequieto e dedicava-se à pesquisa. Num tempo onde eram raros os médicos no interior, o papel dos farmacêuticos práticos tornou-se fundamental para a manutenção da saúde do povo, principalmente os mais pobres. Amadeu acabou desenvolvendo aptidões para a arte de curar, tornando-se um “curador” ou “carimbamba”, como ele mesmo dizia. Seu trabalho era pautado pela ética e o sentido humanista.
Em 1899 casou-se com Vicentina Meyer, que na época tinha 16 anos. A união durou 55 anos. O casal teve três filhos: Vicente, Margarida e José Maria.
Amadeu foi militante político de destaque em Pouso Alegre e mantinha correspondência com pessoas como Júlio de Castilhos e Rui Barbosa.
Em 1916 mudou-se para São Paulo. Montou uma farmácia, a Baruel, na praça da Sé. A capital fez despertar em Amadeu seu gênio literário e em 1927 publicou seu primeiro livro, um romance com o título Praga de Amor.
Em 1955, aos 80 anos, foi indicado para a Academia Paulista de Letras. Foi eleito, mas seu estado de saúde não permitiu sua posse. Faleceu no dia 28 de outubro de 1955.


Bibliografia de Amadeu de Queiróz

1927 – Praga do Amor – Romance
1930 – Pouso Alegre – História
1931 – Sabina – Romance
1933 – Senador José Bento – História
1937 – O Intendente do Ouro – Romance
1937 – Provérbios e Ditos Populares – Folclore
1938 – A voz da Terra – Romance
1939 – Os Casos do Carimbamba – Contos
1944 – O Quarteirão do Meio – Romance
1945 – João – Romance
1954 – A Rajada – Romance
1956 – Catas – Romance
1956 – Dos 7 aos 77 – Romance
1963 – Histórias quase simples - Contos

quinta-feira, 14 de abril de 2011

cadeia passado/presente


Em 2009 foi inaugurado o novo presídio. Segundo o governador Antonio Anastasia essa era uma reivindicação de décadas da população de Pouso Alegre, já que a Cadeia Pública funcionava em um imóvel centenário no centro da cidade, numa área residencial.
O presídio tem capacidade para 302 detentos. São 62 celas, distribuídas em 04 alas. A obra custou aproximadamente R$ 13 milhões e teve início em abril de 2009, chegando a envolver, de uma só vez, 300 operários. Está localizado próximo ao bairro Ribeirão das Mortes, em terreno doado pela Prefeitura ao Estado. A doação do imóvel de 06 mil m² foi aprovada pela Câmara de Vereadores na Legislatura 2005/2008.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

..... ainda sobre a cadeia


Segundo o historiador pouso-alegrense Otávio Gouvêa a necessidade da construção de uma cadeia maior surgiu em 1885, época do Brasil Império. A obra foi realizada pelo empresário tenente Fernando de Barros Cobra, e entregue a municipalidade no dia 7 de julho de 1885.  Segundo o construtor a nova cadeia apresentava além da solidez e segurança, elegância e bom gosto de modo a ser considerado senão como o mais importante ao menos comum dos edifícios do sul de minas. Era um dos maiores e mais imponente prédio da cidade, comparado a Igreja Matriz concluída em 1857, e ao futuro Teatro Municipal.
Com o crescimento da cidade o prédio passou a destoar da nova tendência urbanística que consistia no embelezamento das ruas centrais e da área da estação.  No livro de prestação de contas publicado na gestão do prefeito João Beraldo, em percebe-se que na época havia uma grande preocupação por parte da administração com as ruas centrais, passando a exigir dos proprietários, a limpeza externa de seus prédios e muros, a reconstrução dos passeios estragados e a renovação dos telhados antiquados e em estado de ruína de suas casas. No documento apresentado por João Beraldo fica claro o interesse de forças da elite em desapropriar o espaço em torno do largo, onde se localizava a cadeia e outras construções, a maioria pertencente a uma classe social pobre. Muitos moradores não poderiam realizar as reformas em suas casas e estabelecimentos, segundo normas impostas pelo município.
 Na gestão de João Beraldo está presente também a necessidade de modificações no centro de Pouso Alegre, com a demolição de alguns prédios e quarteirões que impediam o alargamento da avenida principal, entre elas a cadeia impedindo o fluxo de transeuntes que necessitavam dirigir-se a nova estação de trem.
O jornal Gazeta de Pouso Alegre, n466, de 18 de março de 1928, publicou a vinda de um engenheiro da Secretaria de Agricultura para estudar e orçar as obras para a construção de uma nova cadeia pública, alegando que a atual estava ameaçando ruir. A matéria fala ainda que a obra será um “benéfico serviço que se prestará à nossa cidade e, para que o novo estabelecimento carcerário não seja erguido no mesmo local do antigo, centro da cidade e próximo da estrada de ferro, como que o dar uma nota de sofrimento e miséria ao transeunte que aporta a esta terra, a nossa Câmara vai oferecer ao o governo, o terreno próprio para essa construção, afim de que a nova cadeia fique localizada em ponto mais afastado da cidade”.
Segundo Octávio Mianda Gouvéia, a cadeia com suspeita de ruínas era uma construção com traços arquitetônicos no estilo barroco, assim a  probabilidade de má conservação deste espaço era pequena, devido a um projeto bem arquitetado antes de sua construção. Há possibilidades era de que o prédio no centro da cidade causava um empecilho para as autoridades políticas e da elite que buscavam um meio para reorganizar o centro da cidade.
A Gazeta de Pouso Alegre, de 14 de fevereiro de 1929, informa que as obras da nova cadeia foram ganhas pelo construtor e arquiteto Otto Piffer, em concorrência aberta pelo governo do Estado.  [...] é de esperar-se que essa importante construção obedeça a todo o rigor e escrúpulo no seu acabamento, para que a nossa cidade seja dotada de um melhoramento, como é de desejar-se, a altura de seu merecimento” publica o jornal.
A nova cadeia foi construída no que antes eram os “arredores da cidade”, na rua Silvestre Ferraz. Ao longo do tempo, com o crescimento da cidade, principalmente a partir da dedada de 1980, época em que as indústrias começam a vir para a cidade, o centro da cidade alcançou a cadeia.  
Com o tempo o espaço ficou insuficiente para atender a população carcerária e passou por reformas, com a construção de algumas celas, ampliação da rede elétrica e de abastecimento de água. Mas as reformas eram apenas paliativas, não solucionando as principais e básicas necessidades dos presos.
Em 2009 foi entregue à comunidade o presídio, com capacidade para 350 presos.

MIRANDA. Octávio Gouveia. História de Pouso Alegre. Pouso Alegre: 2ª  Ed., 2004
[1]Prestação de Contas do Prefeito João Beraldo. Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1931.
[1] Idem. P. 12.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Almanaque Sulmineiro descreve o prédio da cadeia localizado na avenida central

fotos da cadeia

A antiga cadeia construída na década de 30, que funcionou até a primeira década do século XXI.